Do México, Hernán Morales partiu para Groningen, nos Países Baixos, e depois para a Austrália, sempre em busca de respostas para a grande questão que o orienta, ou melhor, duas: como é gerada e mantida a biodiversidade. Ao longo de um percurso que cruzou o mundo, tornou-se biólogo evolucionista e investigador líder do grupo de genómica evolutiva e de conservação no Globe Institute da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca. Atualmente faz da península escandinava a sua casa, acumulando também no seu currículo uma posição na Universidade de Lund, na Suécia, onde procura contribuir para a conservação de espécies de aves ameaçadas com base nas informações extraídas pela genómica.
O declínio sem precedentes de inúmeras espécies está subjacente à alarmante “crise da biodiversidade” que atravessamos e que está a levar não apenas a uma redução drástica do tamanho das populações da vida selvagem, mas também à erosão do seu património genético. A perda de diversidade genética conduz ao aumento do risco de extinção das espécies, sobretudo por torná-las menos capazes de se adaptar às mudanças rápidas e significativas nas condições que delimitam a sua existência.
Convidado da 9ª edição do Encontro Anual do CE3C, Frontiers in E3, “Regresso ao futuro: transpondo a história para cenários vindouros” (Back to the future: bridging history into upcomig scenarios), Hernán Morales colocou em destaque dois conceitos principais: “dívida da deriva genética” (genetic drift debt) e “museómica”.
Mesmo que o cenário se inverta e a população de uma espécie seja capaz de recuperar após um colapso e aumentar em número, o seu património genético pode permanecer frágil. O fenómeno é explicado pela dívida da deriva genética ao procurar descrever o desfasamento temporal entre as variações demográficas das populações, e a perda e recuperação de diversidade genética e de aptidão física. Esta análise temporal está em tudo relacionada com a “museómica”, termo cunhado há menos de 20 anos para se referir à análise genómica de coleções biológicas salvaguardadas em museus, como no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC). As coleções reúnem indivíduos amostrados ao longo de décadas e séculos, guardando informações que permitem recuar ao passado para compreender o que estava a acontecer na altura, interpretar o presente, e estimar o que acontecerá no futuro.
Na apresentação realçou a importância das coleções dos museus nos esforços de conservação. Qual o elo que conecta estes dois domínios?
As coleções dos museus são como cápsulas do tempo cheias de informação valiosa sobre a diversidade de vida no nosso planeta. Contêm espécimes de animais e plantas do passado, alguns dos quais já não existem na natureza. Utilizamos estes espécimes para criar um inventário pormenorizado dos seres vivos da Terra, tal como um catálogo de biblioteca. Estas coleções são como janelas para o passado, ajudando-nos a descobrir como os animais e as plantas se adaptaram aos seus ambientes ao longo do tempo. Na nossa investigação, utilizámos estas coleções para criar um retrato histórico da diversidade que existiu em tempos nas espécies. Isto é especialmente importante porque muitas destas espécies estão agora em risco e, ao compreendermos o seu passado, podemos trabalhar para proteger o seu futuro.
A genética desempenha um papel fundamental nas práticas de conservação modernas. Como está investigação em genética a contribuir para a conservação das espécies ameaçadas e para a manutenção da diversidade genética nas populações?
A diversidade genética é a informação que permite às espécies adaptarem-se e prosperarem nos seus habitats naturais. Quando esta diversidade genética diminui, pode levar ao declínio e eventual extinção de uma espécie. O problema é que podemos nem sequer dar por isso até ser demasiado tarde. É por isso que é crucial estabelecer uma linha de base da diversidade genética, uma espécie de fotografia instantânea da composição genética de uma espécie.
Para tal, reunimos dados genéticos de espécimes armazenados em coleções de museus e comparamo-los com a informação genética de espécimes vivos atualmente. Esta comparação direta ajuda-nos a ver como a diversidade genética se alterou ao longo do tempo. Ao compreender esta perda, podemos tomar medidas para evitar que as espécies entrem em vias de extinção e manter vivo o seu legado genético único para as gerações futuras.
A genética populacional é uma ferramenta poderosa para identificar e compreender os efeitos de gargalo nas populações. Que avanços têm sido alcançados?
O campo da genómica, que envolve o estudo da composição genética dos seres vivos, tem vindo a progredir à velocidade da luz. Graças a métodos novos e mais acessíveis, podemos agora extrair uma enorme quantidade de dados genéticos de espécies selvagens. Uma área particularmente interessante da genómica é a paleogenómica, que trata do ADN antigo e histórico. Neste subcampo, os investigadores fizeram progressos extraordinários. Atualmente, podemos descodificar as sequências genéticas completas de organismos a partir de amostras históricas, mesmo que essas criaturas já tenham desaparecido há muito tempo.
Estes genomas completos permitem-nos saber que partes do código genético de um organismo apresentam mutações prejudiciais, benéficas ou neutras nas populações. Compreender esta dinâmica é como ter um roteiro para orientar os nossos esforços de proteção da biodiversidade. Podemos utilizar este conhecimento para tornar as nossas ações de conservação ainda mais eficazes e ajudar a salvaguardar a biodiversidade.
O termo “museómica” causou algum fervor na nossa Reunião Anual. Pode explicar-nos como surgiu este termo, qual o seu significado e como revolucionou a utilização das coleções dos museus?
Museómica é um termo bastante recente, criado por volta de 2009, que mistura “museus” com “genómica”. Ganhou atenção quando alguns dos primeiros estudos extraíram informação genómica de espécimes como o extinto tigre-da-tasmânia. A parte “ómica” deste termo é uma referência a várias disciplinas científicas como a transcriptómica, a metabolómica e a proteómica, todas elas envolvendo a recolha de grandes quantidades de dados moleculares a partir de amostras antigas.
A museómica é um campo em rápida evolução com um potencial excitante. É como um tesouro de possibilidades à espera de ser desbloqueado. À medida que continuamos a explorar e a aplicar a museómica, é provável que venha a revolucionar a forma como utilizamos as colecções dos museus. De facto, algumas das aplicações inovadoras deste campo estão provavelmente ainda à espera de serem descobertas.
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