Entre as mais de 1300 espécies de ácaros-aranha conhecidas, cerca de 100 são consideradas como pragas agrícolas e 4 como uma ameaça significativa às produções. Tetranychus urticae, um dos infames destacados neste conjunto, é objeto de estudo do grupo de investigação em Agroecologia Evolutiva do CE3C liderado por Leonor Rodrigues, que procura explorar como estes organismos reagem e se adaptam perante diferentes pressões ambientais.
Encontrados um pouco por todo o lado, verdadeiramente “cosmopolitas” como Leonor enfatiza, os ácaros-aranha não são esquisitos quanto à fonte alimentar: feijão, pimento, curgete, morangueiros, tomateiros, limoeiros, pessegueiros, macieiras e até rosas e girassóis, entram na dieta destes pequenos artrópodes, que assim representam um potencial problema com implicações económicas para quem da agricultura depende ou simplesmente procura ter um jardim florido, bonito e viçoso. O real impacto vai muito além deste aparente eufemismo que – embora difícil de estimar com precisão devido à flutuação dos mercados, à diversidade e sazonalidade das diferentes colheitas que colonizam, e à confluência de outros desafios ambientais – ascende aos milhares de milhões de euros, sendo fator de risco para a segurança alimentar mundial.
Não será por isso de estranhar que o valor dos bens e serviços associados ao seu controlo, nomeadamente por via dos pesticidas (acaricidas), alcance também facilmente montantes consideráveis: em 2013, um estudo internacional revelava que este mercado específico rondava os 900 milhões de euros à escala global. Mas até isto os ácaros-aranha conseguem superar, desenvolvendo resistência aos pesticidas. E é aqui que entra o estudo da sua evolução, como explica a investigadora.
A evolução por seleção natural prevê que a exposição continuada (ao longo de várias gerações) a um determinado ambiente resulte numa alteração da composição genética da população, em que os genótipos mais adaptados a esse ambiente são aqueles que prevalecem. Assim sendo, não é surpreendente que a exposição continuada a um pesticida resulte no surgimento de resistência a esse mesmo pesticida por parte de uma praga de cultura. Como estas pragas, tantos os ácaros como outras, têm tempos de geração muito curtos e a sua fecundidade é muito elevada, a evolução da resistência a pesticidas pode acontecer muito rapidamente.
Contornar esta capacidade biológica (e tudo o que daí advém) implica aumentar o conhecimento sobre os fatores ecológicos que podem ajudar a controlar a sua reprodução, por exemplo. Sofia Costa, doutoranda do grupo de investigação, estudou recentemente o efeito da temperatura ambiente na resistência aos pesticidas, um aspeto que pode ser controlado em condições de estufa, onde muitas culturas são produzidas. Uma das descobertas revelou que a fertilidade dos machos resistentes a pesticidas diminui quando as temperaturas são mais altas, mesmo na ausência destas substâncias, sugerindo que, nestas condições, ser resistente pode ser desvantajoso.
Menos pesticidas, mais agroecologia
Descartar os pesticidas ou, pelo menos, reduzir significativamente a sua utilização, sustenta tanto um desígnio (veja-se a iniciativa cidadã “Save Bees and Farmers” que alcançou mais de 1 milhão de assinaturas) como uma controvérsia no seio da comunidade europeia. Perante a inerente toxicidade dos pesticidas, a poluição que originam sobre massas e linha de água e solos, e as suas consequências para a vida selvagem (para as abelhas e restantes polinizadores de forma mais evidente) e saúde pública, a Comissão Europeia apresentou para aprovação um pacote legislativo alinhado com o Pacto Ecológico Europeu e com a sua estratégia “Do Prado ao Prato” que previa uma redução de 50% na utilização de pesticidas. Aplaudida por ambientalistas, criticada fervorosamente por agricultores e fator de divisão profunda no Parlamento Europeu, a proposta tornou-se “símbolo da polarização” nas palavras da Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen e foi retraída em fevereiro deste ano.
A inversão do modus operandis do sector agrícola de escala, rumo à sustentabilidade, implica equacionar outro tipo de alternativas que assegurem e alavanquem conjuntamente as produções e os rendimentos daí retirados sem comprometer a saúde pública e os recursos naturais. Felizmente, basta um “regresso ao passado” para perceber que existem várias opções alternativas nas práticas agroecológicas.
A agroecologia é, em várias vertentes, um regresso ao passado, já que propõe uma produção mais em sintonia com a natureza. Técnicas como a rotação e a mistura de culturas diminuem a probabilidade do surgimento de pragas em números suficientemente grandes para destruir as culturas. Outras opções são a aplicação de produtos naturais, como óleos essenciais, ou a utilização de agentes de controlo biológico. No entanto, assegurar que uma produção seja simultaneamente eficiente e sustentável requer muito conhecimento sobre os processos ecológicos e evolutivos que regem a interação entre plantas e herbívoros, e é nisso que estamos a trabalhar.
O campo no laboratório
Os campos agrícolas são sistemas complexos, tabuleiros onde se assiste a um jogo de interações bióticas e abióticas entre ácaros-aranha (às vezes, de várias espécies), as plantas que habitam e consomem, e tudo o que influencia a sua sobrevivência. Como se de peões se tratassem, os investigadores do grupo de Leonor Rodrigues procuram replicar essas condições em laboratório, na Unidade de Evolução Experimental, para perceber as suas possíveis consequências.
Neste instante e ao abrigo do projeto HotPest, estuda-se o efeito da exposição simultânea de populações de Tetranychus urticae a altas temperaturas e novas plantas-hospedeiro, e a altas temperaturas e pesticidas, procurando aprofundar o conhecimento sobre a evolução da sua tolerância térmica, a capacidade de se expandirem e colonizaram novas plantas e a resistência a pesticidas. Perceber estas relações ganha particular relevo num cenário onde as alterações climáticas acrescentam um sentimento de incerteza onde “todos os desfechos são possíveis”, alerta a investigadora CE3C.
O aumento das temperaturas pode, por exemplo, levar à expansão da distribuição de algumas pragas e/ou à diminuição do seu tempo de geração, o que tem o potencial de acelerar a resposta adaptativa destas populações. Por outro lado, pode ocorrer uma dessincronização entre as pragas e as suas plantas-hospedeiro, se os dois organismos não responderem às alterações climáticas da mesma forma, e/ou as novas condições sentidas podem ser adversas para as pragas, levando a uma redução no seu número.
Do laboratório para o campo
A investigação fundamental que o grupo desenvolve poderá servir de base à conceção de métodos eficazes e sustentáveis de controlo de pragas que evitem surtos destas espécies nos campos agrícolas. Enquanto este passo se consolida, o grupo começou já outra importante tarefa: a sensibilização. Com um incentivo de perto de 1,5 milhões de euros do Programa LIFE da Comissão Europeia, e a parceria do Turismo de Portugal, o projeto GrowLife será o cartão de visita da agroecologia em 16 municípios de norte a sul do continente até maio de 2028. Desenvolvido pela equipa da Caravana Agroecológica (formada pelos grupos de investigação em Agroecologia Evolutiva e Evolução das Interações Parasita-Hospedeiro do CE3C) e coordenado pela investigadora CE3C Sara Magalhães, o projeto irá permitir o envolvimento direto com produtores, decisores políticos e consumidores para que, juntos, se possa co-criar um sistema alimentar mais sustentável a nível social, económico e ambiental.
Com este projeto temos conversado com produtores portugueses sobre práticas agrícolas sustentáveis e auxiliado na sua aplicação, trabalhado com os municípios de forma que possam implementar, ao nível local, políticas que apoiem a criação e manutenção de iniciativas/práticas agroalimentares sustentáveis, e informado os consumidores sobre a importância e as vantagens de um consumo sustentável para a sua saúde, a economia local e o ambiente.
Sob o tema “Acaralogia: impactos e soluções para humanos, agricultura e ambiente”, Atenas (Grécia) recebe a décima edição do simpósio promovido pela Associação Europeia de Acarologistas entre os dias 2 e 6 de setembro. A iniciativa, que acontece de 4 em 4 anos, é um dos principais fóruns no mundo para discussão do conhecimento produzido sobre estes organismos e contará com Leonor Rodrigues como uma das convidadas de destaque. Com o título de inspiração shakespeariana “Acasalar ou não acasalar, eis a questão: o impacto de fatores bióticos e abióticos no comportamento e sucesso reprodutivo dos ácaros", Leonor procurará partilhar as mais recentes descobertas do grupo sobre a reconhecida resiliência dos ácaros-aranha.
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