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Embora existam registos históricos que refiram algum tipo de medidas – legais ou não – de protecção de espécies e de habitats, é relativamente consensual que a noção da necessidade de conservação e a percepção da fragilidade de taxa e biomas terá tido o seu início na segunda metade do séc. XIX. De facto, antes dessa época, também conhecida como a “época de ouro” da História Natural, conhecem-se alguns episódios de exclusividade de utilização de recursos venatórios (caso da alta nobreza na Europa), de espécies “sagradas” em algumas culturas, como os elefantes e tigres no sub-continente indiano, ou mesmo a manutenção de espécies em semi-cativeiro para uso exclusivo do detentor do poder: por exemplo, o veado-do-padre-david, Elaphurus davidianus (na imagem), apenas descoberto pela ciência ocidental em 1865 e já então extinto no estado selvagem (IUCN). Foi mantido numa reserva imperial da Dinastia Qing para usufruto exclusivo da corte imperial chinesa.

O final do Pleistoceno e da última era glaciar coincidiu com a expansão de Homo sapiens por todo o planeta. Coincidência, ou não, a partir do momento em que a nossa espécie saiu de África, há cerca de 55.000 anos, as extinções, principalmente de megafauna terrestre (mas não só) sucederam-se a um ritmo quase alucinante. De facto, apenas África e o Sul da Ásia mantém uma megafauna de mamíferos similar à da era glaciar com reduções, respectivamente, de 10 e 15% da riqueza. Na Europa essa redução é de 30%, na Austrália de 50% e nas Américas superior a 75%. Foi aqui que chegámos mais tarde, há cerca de 15.000 anos, e teremos (ou não) contribuído para uma “tempestade perfeita” no que respeita ao desaparecimento completo da maior parte das espécies de mamíferos de grande porte. Desde mamutes (pelo menos quatro espécies), ao último mastodonte do planeta, das preguiças gigantes aos cavalos nativos e camelos (sobrevivem 4 espécies na América do Sul); de vários predadores com destaque para, pelo menos, seis espécies de grandes felinos da subfamília Machairodontinae e do próprios leões hoje confinados à África Sub-sahariana e à Reserva de Gir, na Índia; e passando por gigantescos condores, aves predadoras terrestres, gliptodontes (semelhantes a tatus-gigantes), liptopternos (mamíferos ungulados) e muitos mais.

A expansão de povos ameríndios terá causado uma vaga de extinções considerável nas ilhas Caribenhas bem como o povoamento dos milhares de ilhas do Pacífico, desde o Hawaii à Nova Zelândia, por Polinésios que, inclusivé, ocuparam Madagáscar, tendo originado o desaparecimento de inúmeras espécies endémicas que evoluíram em isolamento em locais remotos e sem prévio contacto com humanos ou com espécies invasoras, voluntária ou involuntariamente, transportadas. A grande expansão Ibérica e Europeia que se iniciou no século XV causou mais um elevado número de extinções bem como a destruição, total ou parcial, de vários ecossistemas, alguns únicos e eles próprios possuidores de comunidades biológicas hoje totalmente desaparecidas.

Todavia, o aparente paradoxo reside, precisamente, na dualidade da nossa espécie: uma capacidade destrutiva incomparável aliada ao facto de ser, também, a única capaz de proteger, preservar e recuperar não apenas populações e comunidades bem como inteiros habitats.

Apesar do número de humanos ser, actualmente, superior a oito mil milhões, esta imensa população não se distribui de forma homogénea pelo planeta, o que faz com que ainda existam vastíssimas áreas não ocupadas, bem como habitats e comunidades selvagens vigorosas e pujantes. Conhecem-se apenas 12 casos de extinções totais de megafauna nos últimos 100 anos. Embora muitas espécies tenham sido drasticamente reduzidas e vastas áreas das suas distribuições irreversivelmente alteradas, há parques e reservas terrestres de grande dimensão – o Parque Nacional Kruger, por exemplo, é praticamente maior que Israel – que mantém comunidade e populações saudáveis, permitindo a sua reintrodução em locais onde já foram extintas.

Existe um consenso alargado, tanto na comunidade científica, como nos vários poderes políticos e na opinião pública em geral, que é necessário, útil, rentável e eticamente indiscutível, proteger, preservar e recuperar. Se os esforços que fazemos nesse sentido são suficientes, naturalmente que tal é questionável. Sabe-se, por exemplo, que o número de áreas marinhas integralmente protegidas a nível mundial é irrisório e que a sobrepesca tem esgotado imensos stocks de recursos marinhos vivos. Porém, e numa perspectiva mais optimista, penso que ainda conseguiremos, como cientistas, continuar não somente a aprender mais, mas, também, a conseguir mobilizar a consciência pública e os decisores políticos e económicos para as imensas mais-valias que decorrem da preservação e conservação para além do inequívoco dever moral de o fazer.


O autor discorda e não respeita o AO90.

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