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Resumo gráfico do estudo Oyarzabal et al. 2024, por Jagoba Malumbres-Olarte.

A base de dados impressionante, construída ao longo de 25 anos, não deixa margem para dúvidas: as espécies de artrópodes (como os insetos e aranhas) que destacam os Açores enquanto hotspot mundial para estes organismos estão em risco de desaparecer. Metade da sua diversidade é hoje composta por espécies exóticas que competem com as endémicas e prosperam devido à degradação dos habitats nativos provocada pela ação humana. As conclusões deste raro estudo a longo-prazo foram agora divulgadas na revista Ecography, num artigo liderado por Guilherme Oyarzabal, investigador do grupo dedicado à Biodiversidade, Biogeografia & Conservação em Ilhas (CE3C – Universidade dos Açores).

Os artrópodes são, muitas vezes, a principal componente da fauna em ilhas oceânicas, tornando-se cruciais para processos ecológicos – como a polinização e a decomposição de matéria orgânica – que sustentam os ecossistemas locais. Uma vez isolados no meio do oceano, os artrópodes incidem em trajetórias evolutivas que os tornam únicos em todo o mundo, mas também altamente dependentes das condições que suportaram a sua existência geração após geração, ao longo de milhares ou milhões de anos. No seu vasto e valioso património natural, os Açores acolhem cerca de 300 espécies endémicas de artrópodes, entre as mais de 1000 nativas. Destas, mais de 100 estão listadas como altamente ameaçadas pela IUCN.

À semelhança de outros locais no mundo, nos Açores as ameaças recaem sobretudo sobre os insetos terrestres nativos de maior dimensão, cuja biologia torna mais suscetíveis: são mais lentos e com menor capacidade de dispersão, apresentam populações mais pequenas e dependem de maior disponibilidade de alimento. Já os insetos exóticos com características similares seguem a tendência oposta, beneficiando da perturbação, alteração e degradação impostas pelas atividades humanas, como o pastoreio, a agricultura e a introdução de plantas exóticas invasoras, cuja origem remonta à colonização pelos portugueses há 600 anos. Desde então, a floresta nativa ficou reduzida a uns drásticos 5% da área original.

A exótica aranha-tenaz-cosmopolita, Dysdera crocara. [◉°] Paulo A. V. Borges.

O declínio na abundância de aranhas endémicas é inquietantemente visível nos redutos de floresta nativa. Os resultados revelaram que, se por um lado, a competição e predação por aranhas exóticas, cada vez mais comuns, parece estar por detrás deste fenómeno, também a substituição da estrutura tridimensional e complexa da floresta por uma paisagem humanizada aumenta a vulnerabilidade destes organismos ao impedir que construam as suas teias, inviabilizando as suas funções de abrigo e captura de presas.

Guilherme Oyarzabal espera que “o conhecimento produzido contribua para os esforços de restauro da paisagem açoriana e medidas que visem a salvaguarda do património natural”, objetivo partilhado por Paulo A. V. Borges, coordenador do estudo e dos projetos de longo-prazo com artrópodes nos Açores.

[Urge agora] identificar e salvaguardar áreas de alto valor ecológico, como refúgios para espécies endémicas, além de melhorar a conectividade do habitat para apoiar o movimento das espécies e a adaptação às condições ambientais.

Paulo A. V. Borges

O Governo dos Açores tem promovido vários projetos apoiados pela Comissão Europeia ao abrigo do Programa LIFE (LIFE IP Azores Natura, LIFE VIDALIA, LIFE BEETLES e LIFE SNAILS) num investimento global de cerca de 24,7 milhões de euros.

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