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O recém-descoberto escalo-do-Sado, Squalius caetobrigus. [◉°] Rúben Oliveira

O pequeno grande mundo dos peixes de água-doce endémicos de Portugal e da Península Ibérica conta com um novo representante: o escalo-do-sado (Squalius caetobrigus). O estudo que o dá a conhecer pela primeira vez foi hoje publicado na revista Limnetica e tem como primeira autora Sofia Mendes, doutoranda do CE3C-Ciências ULisboa. Embora a ciência só o tenha descoberto agora, a existência desta nova espécie de peixe endémica da bacia hidrográfica do Sado pode estar já a ser posta em causa pelas ameaças que o ecossistema enfrenta.

Com um nome científico pensado para homenagear a região de Setúbal – ou Caetobriga, como era designada pelos romanos –, o escalo-do-Sado é o mais recente representante dos peixes nativos de água doce de Portugal. Junta-se a uma família que contém outras espécies de escalos como o escalo-do-Arade (Squalius aradensis) que existe apenas nos rios do sudoeste algarvio, o escalo-do-Mira (Squalius torgalensis), que habita apenas nesse rio, ou o bordalo (Squalius alburnoides), cuja genética é há décadas estudada.

Sofia Mendes e Vítor C. Sousa. [◉°] Rúben Oliveira

Foi precisamente a genética que ajudou a desvendar o escalo-do-Sado, já que há muito se desconfiava de que esta linhagem seria diferente das restantes. A par dos dados genéticos, os investigadores recorreram à Tomografia Computorizada para analisar os ossos destes peixes, impossíveis de visualizar de outra forma, e comparar com as espécies já conhecidas.

Estas comparações revelaram que a nova espécie do Sado tem características únicas que a distinguem das restantes espécies de escalos da Península Ibérica, por exemplo ao nível do número de escamas da linha lateral ou de certas características dos ossos do crânio.

Sofia Mendes

A recolha e estudo de indivíduos nos afluentes do Sado foi amplamente superada pela análise de peixes que estavam nas coleções do Museo Nacional de Ciencias Naturales (MNCN, Madrid) num gesto de economia de recursos e de ética na investigação.

Ao utilizar as coleções museológicas e ao contribuirmos para as mesmas, evitamos o sacrifício de mais animais quando este não é necessário e utilizamos exemplares que já estão ou que ficarão também acessíveis a outros investigadores.

Sofia Mendes

O estudo vem assim realçar a importância destes espaços não apenas na promoção da cultura científica, mas também como depósitos de conhecimento capazes de conectar geografias, o passado, presente e futuro.

A espécie fotografada no campo. [◉°] Carla Sousa Santos
A investigadora MARE Carla Sousa Santos em trabalho de campo na bacia do Sado. [◉°] Carla Sousa Santos
Sofia Mendes em trabalho no laboratório. [◉°] Rúben Oliveira
Amostra de barbatana da espécie que serve as análises genéticas. [◉°] Rúben Oliveira
Amostras de Squalius caetobrigus no Museu Nacional de História Natural e da Ciência. [◉°] Judite Alves
O recém-descoberto escalo-do-Sado, Squalius caetobrigus. [◉°] Rúben Oliveira

O futuro do escalo-do-Sado parece, contudo, incerto, já que a circunscrição dos peixes de água-doce às linhas de água que habitam os torna particularmente vulneráveis às ameaças. A bacia hidrográfica do Sado partilha as pressões com outras da região Mediterrânica, estando fadada a um regime de intermitência no caudal das ribeiras que secam no verão – reduzindo-se a pequenas poças desconectadas – e esperam pela próxima época chuvosa para se restabelecerem. Além dos efeitos das alterações climáticas, que estão a aumentar a severidade e duração dos períodos de seca, a biodiversidade aquícola do Sado vê-se ainda a braços com a degradação do seu habitat devido à poluição, captação excessiva de água para a agricultura e introdução de espécies exóticas invasoras. Certo é que só podemos conservar as espécies se as conhecermos, e este estudo vem contribuir para essa missão coletiva.

Esta descoberta resulta de um trabalho de equipa coordenado por Ignacio Doadrio (MNCN, Madrid) que, além de Sofia Mendes, integrou os/as investigadores/as Silvia Perea (MNCN, Madrid), Vítor C. Sousa (CE3C, Ciências ULisboa) e Carla Sousa Santos (MARE - Centro de Ciências do Mar e do Ambiente).

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