A dimensão humana ocupa cada vez mais espaço nos estudos e esforços de conservação. A partilha de território e inerentes interações entre as comunidades humanas e animais são frequentes e intensas em várias regiões do mundo, assumindo particular destaque na África Subsariana. Aqui, os encontros depressa resultam em conflito, expondo ambos os lados a ameaças que impõem maior pressão sobre os já complexos desafios socioeconómicos, ambientais e de salvaguarda da biodiversidade. Esta acepção é particularmente relevante na análise de áreas protegidas, cuja eficácia na promoção da vida selvagem e serviços de ecossistema assenta num ténue equilíbrio com as oportunidades e condicionantes que regem o dia-a-dia das pessoas que aí habitam.
Foi este o ponto de partida do doutoramento de Joana Gomes Pereira, cujo mérito e qualidade se viram esta semana reconhecidos com a conquista do 3º lugar no Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias 2024, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Ecologia. A sua orientação esteve a cargo do investigador CE3C Luís Miguel Rosalino, Maria João Santos da Universidade de Zurique, e Carlos Fonseca da Universidade de Aveiro.
O Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias premeia as melhores teses de doutoramento, em qualquer área da Ecologia, defendidas em universidades. Com este prémio, a SPECO procura valorizar a ciência, a Ecologia e os/as jovens profissionais que a ela se dedicam.
A investigadora rumou ao Parque Nacional de Quirimbas no Nordeste de Moçambique, criado em 2002 e declarado em 2022 como Reserva da Biosfera ao abrigo do programa MaB (Man and the Biosphere) da UNESCO. Além de abrigar 160 espécies animais – entre os quais elefantes, leões, hienas, leopardos, crocodilos, macacos e porcos selvagens –, o Parque é casa de cerca de 120 mil pessoas divididas por mais de 100 aldeias entre a costa e o interior, sendo estas últimas dependentes da dedicação familiar à agricultura tradicional e mais expostas a interações com a vida selvagem.
Em Moçambique, de uma forma geral, as áreas protegidas contêm pessoas a viver dentro dos seus limites, exigindo uma perspetiva socioecológica na sua gestão. Compreender se necessidades básicas como acesso a água, comida e saúde estão a ser atendidas, e conhecer a capacidade de adaptação das comunidades aos impactos causados pelas alterações climáticas e/ou conflitos com animais, permite-nos prever melhor como serão impactadas pelas estratégias de conservação.
Joana avaliou a vulnerabilidade destas comunidades rurais e dos seus meios de subsistência a interações negativas com os animais, como a destruição de campos agrícolas familiares (localmente designados por machambas) por macacos, porcos selvagens e elefantes, ou a predação de animais domésticos por leões e hienas, que geram ainda um sentimento de insegurança.
A sua investigação concluiu que as famílias mais vulneráveis são as que estão efetivamente mais expostas a interações negativas com animais, e que a sua situação pode ser cumulativamente agravada por outros fatores de vulnerabilidade como o clima e o acesso a água, a falta de estratégias de subsistência ou a fragilidade das relações sociais entre agregados familiares. Lições com consequências diretas na forma como os gestores das áreas protegidas devem encarar a administração destes territórios e nas potenciais valências de incluir as comunidades humanas em modelos de coexistência que assegurem paralelamente a qualidade de vida e a preservação da biodiversidade.
Joana Gomes Pereira divide o pódio do Prémio de Doutoramento em Ecologia 2024 com Martina Panisi (1º lugar), que também desenvolveu a sua tese no CE3C. Ambas passam agora a integrar o rico e ilustre conjunto de antigos/as doutorandos/as CE3C distinguidos pela qualidade dos seus trabalhos em edições anteriores. São eles Ricardo Rocha (1º lugar, 2017), Alice Nunes (2º lugar, 2017), Paula Matos (1º lugar, 2018), Marc Fernandez (3º lugar, 2018), Francisco Pina-Martins (1º lugar, 2019), Adrià Lopez Baucells (2º lugar, 2019), Gonçalo Curveira-Santos (3º lugar, 2022), e Filipa Soares (1º lugar, 2023).
Fazer o doutoramento no CE3C (…) trouxe-me um grupo de colegas incrível, com quem aprendi bastante, e de onde levo amizades para a vida. Tive a sorte de trabalhar lado a lado com o meu orientador, Miguel Rosalino, que me apoiou em todo o meu percurso.
Com 10 vencedores/as entre um total de 24 galardoados/as, e a conquista do 1º lugar em 5 das 8 edições do Prémio, o CE3C é a unidade de investigação mais representada nesta distinção ímpar e de enorme valor para a investigação em Ecologia em Portugal. Este destaque é reflexo do reconhecido investimento e dedicação da equipa do Centro – orientadores/as e orientandos/as – na capacitação atenta e aquisição de competências essenciais à construção de carreiras científicas de sucesso.
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