As zonas áridas cobrem 45% da área terrestre e são casa para milhares de milhões de pessoas (cerca de um terço da população global). A bacia mediterrânica, as estepes, as savanas e desertos têm em comum uma elevada aridez que, dependendo do tipo e intensidade de uso do solo, leva a um fenómeno cada vez mais imposto pelas alterações climáticas – a desertificação. Embora o bom estado ecológico das comunidades vegetais seja uma das principais barreiras ao avanço da desertificação, estas são frequentemente sujeitas a pressões que levam à sua degradação, como episódios de seca extrema, o stress térmico ou a crescente pressão do pastoreio, particularmente relevante no semiárido montado português.
Este estudo integrou dados recolhidos no semiárido português em áreas de montado, um ecossistema de reconhecida importância social, económica e ambiental, vulnerável às alterações climáticas e onde é comum o pastoreio.
Perceber a composição e resiliência destes ecossistemas e das comunidades que os suportam torna-se assim verdadeiramente fundamental para estimar os efeitos dos desafios ambientais que se avizinham.
Foi este o ponto de partida para a caracterização das comunidades vegetais das zonas áridas de todo o mundo, que exigiu o trabalho e dedicação de mais de 120 cientistas de 27 países, ao longo de 8 anos, alcançando uma escala inédita. As investigadoras CE3C Alice Nunes e Cristina Branquinho integraram esta equipa – liderada por três cientistas do INRAE (França), CNRS (França) e KAUST (Araábia Saudita) – que viu os seus resultados publicados e destacados este mês na capa da revista Nature.
A capa mostra a floração relativamente rara de plantas herbáceas após uma primavera invulgarmente húmida no árido deserto da Judeia em 2015.
[◉°] Katja Tielbörger
Depois da seleção de centenas de parcelas de zonas áridas, mais de 1300 conjuntos de observação de 301 espécies de plantas e 130 mil medições das suas características individuais, surgiu a surpresa: as plantas nas zonas áridas apresentam uma extraordinária diversidade de formas, tamanhos e funcionamento – o dobro das zonas climáticas mais temperadas! São capazes de exibir um inusitado e rico conjunto de estratégias fisiológicas de adaptação para evitar a perda de água, como a retenção de níveis de cálcio elevados para fortalecer as paredes das suas células, ou a acumulação de grandes concentrações de sal.
A explicação parece estar no seu isolamento, ou naquilo que os cientistas cunharam como “síndrome da solidão das plantas”.
A equipa verificou que o aumento da diversidade de características se acentuava quando a precipitação era inferior a 400mm anuais (valor já registado no Baixo Alentejo) e que, paradoxalmente e em simultâneo, este valor também determinava o declínio da cobertura vegetal e o aparecimento de áreas de solo nu. O regime de isolamento das plantas nestas condições e a redução da competição pelos escassos recursos existentes terá, ao longo da sua história evolutiva, desencadeado singularidades únicas e uma diversidade funcional coletiva absolutamente excecional em todo o mundo. Será caso para dar razão ao ditado popular “mais vale só do que mal acompanhado”?
Os resultados reforçam a importância de conhecer a diversidade funcional de plantas das zonas áridas e as suas adaptações a ambientes extremos, bem como de conservar e restaurar este património único para prevenir a degradação do solo e lidar com os desafios das alterações globais.
Aproveite para ver (ou rever) o vídeo do projeto Land Under Pressure, dedicado a áreas de montado de sobro e azinho que integram a rede LTsER Montado, com o principal objetivo de ajudar a prevenir, mitigar e recuperar áreas sob pressão, combater a desertificação e aumentar a resiliência às alterações climáticas.
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