Contacts Subscribe Newsletter
Fotografia: Gonçalo Rosa

A comunidade de anfíbios do Gerês foi incapaz de recuperar dos surtos de ranavirose detetados nos anos 90. Um novo estudo liderado pelo cE3c vem alertar para a sinergia entre as ameaças que enfrenta.

As doenças infeciosas emergentes e a introdução de espécies exóticas ocupam lugar de destaque nas ameaças que a biodiversidade enfrenta atualmente, sendo dois dos fatores responsáveis pela crise que atravessa. Além dos impactos diretos que trazem para populações, espécies e ecossistemas, as sinergias que estabelecem entre si e com outras fontes de perturbação acarretam efeitos indiretos que só agora se começam a desvendar. Afinal, o que acontece em sistemas onde coexistem doenças e espécies exóticas?

No Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), ambas as ameaças estão presentes e amplamente dispersas, tendo diferentes históricos de introdução. Foi nesta região que uma equipa de investigadores liderada por Gonçalo M. Rosa – membro do grupo de Ecologia da Invasão do cE3c, coordenado por Rui Rebelo, também autor do estudo – se debruçou sobre esta questão, tendo por foco a dinâmica de infeção dos anfíbios com ranavirus (ranavirose), em sistemas partilhados com peixes exóticos. Na Europa, e sobretudo na Península Ibérica, o ranavirus tem sido associado a eventos de mortalidade em massa de anfíbios e ao seu colapso.

O estudo agora publicado na conceituada revista Biological Conservation, recorreu a exemplares de anfíbios colhidos há décadas no PNPG e conservados no Museu Nacional de História Natural e da Ciência para recuperar a história das duas ameaças. Foi como ter à disposição uma verdadeira “máquina do tempo” como define Gonçalo Rosa, “uma oportunidade única” para recuar no tempo e perceber o que realmente aconteceu.

Surpreendentemente, os dados revelaram que o ranavirus estava presente na comunidade pelo menos desde os anos 80, num estado de endemia, muito tempo antes dos eventos de mortalidade registados nos anos 90. Para Gonçalo Rosa e para a equipa, este foi o dado que virou a história do avesso” e que indicou que outro fator teria então despoletado os surtos de ranavirose que arrasaram as populações de anfíbios no Gerês e que desde então impedem a sua recuperação. Quando levantados outros possíveis fatores de perturbação, verificou-se que a introdução de perca-sol (Lepomis gibbosus) na área do PNPG teria começado nos anos 90. Por partilharem os mesmos sistemas aquáticos, tornou-se evidente a sua possível relação.

Muito embora os peixes também sejam veículos de introdução de ranavirus, as análises indicaram que a estirpe do vírus transportada pela perca-sol diferia da que provocou o colapso dos anfíbios. Negada assim esta hipótese, outra surgiu: a perturbação provocada pela perca-sol enquanto novo predador na comunidade. Os resultados apontaram para uma sinergia diferente: a pressão adicional de predação teria aumentado os níveis de stress e conduzido a uma disrupção do sistema imunitário dos tritões, provocando, consequentemente, um desequilíbrio na sua relação com o ranavirus e o aumento da sua suscetibilidade à doença. Quando amostrados vários locais, este padrão e a coincidência entre os dois fatores foi recorrentemente observada, uma relação que originou o colapso da comunidade de anfíbios e contribui para evitar a sua recuperação.

Do ponto de vista da conservação, estas conclusões realçam “a importância das coleções museológicas para a compreensão de fenómenos atuais”, de acordo com Rui Rebelo, e a necessidade de se proceder à remoção da perca-sol do Parque Nacional da Peneda-Gerês (e de outros ecossistemas), para que as populações de anfíbios possam recuperar a sua resistência ao ranavirus e prosperar.

Related News

view all 11 s
O habitat das aves limícolas migradoras está a mudar a nível global – e isso pode ajudar a explicar o seu declínio

Estudo divulgado esta semana – assinado pela investigadora cE3c Maria Dias – veio revelar o que aconteceu (e continua a acontecer) em muitas das zonas húmidas mais importantes para aves em todo o mundo.

07 Nov 2022

Portugal na frente de combate ao comércio ilegal de espécies na União Europeia

Portugal na frente de combate ao comércio ilegal de espécies na União Europeia

24 Jan 2024

Da adversidade nasce o engenho: as incríveis respostas das plantas em ambientes áridos

Investigadoras CE3C Alice Nunes e Cristina Branquinho integram equipa de autores de mais 27 países e colocam o montado do Baixo Alentejo no mapa.

16 Sep 2024

Ilhas de vida num mar de ameaças: biodiversidade única dos Açores em declínio devido às atividades humanas

Novo estudo liderado por Guilherme Oyarzabal e Paulo Borges revela que artrópodes endémicos do arquipélago rumam à extinção devido à degradação da floresta nativa e propagação de espécies invasoras.

05 Sep 2024

View All News