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[◉°] Vasco Pissarra

A balança da investigação e dos esforços conservação empreendidos, um pouco por todo mundo, tende a favorecer os animais vertebrados que – muito embora sendo tipicamente mais característicos e reconhecíveis –, não representam o prato com maior riqueza e diversidade. No contrapeso surgem todos os outros grupos de seres vivos, com uma importância que se vê, muitas vezes, subestimada e erodida perante a gravidade das ameaças que também enfrentam. É este o caso dos invertebrados, o grupo de organismos que compõe uns surpreendentes 97% de todas as espécies descritas no planeta, mas cuja biologia e ecologia ainda guardam inúmeros mistérios: insetos, aranhas, moluscos, crustáceos, entre tantos outros animais terrestres e marinhos, somam mais de 1,3 milhões de páginas na enciclopédia da vida, um número que, ainda assim, tudo indica ser uma pequena amostra da realidade. Se por um lado esta vastidão justifica algum do desconhecimento existente, por outro também ajuda a encapotar o preocupante desaparecimento de algumas espécies, mesmo antes de serem conhecidas.

O desafio de proteger os invertebrados ganhou novo fôlego com Martina Panisi e com o projeto que abraçou no seu doutoramento, sob orientação dos investigadores CE3C Ricardo Faustino de Lima e Jorge Palmeirim, e de Ana Nuno, investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais na NOVA FCSH. Centrado nos pouco estudados moluscos terrestres das ilhas do Golfo da Guiné, a excelência do seu trabalho foi reconhecida com o 1º lugar no Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias 2024, atribuído pela Sociedade Portuguesa de Ecologia.


O Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias premeia as melhores teses de doutoramento, em qualquer área da Ecologia, defendidas em universidades. Com este prémio, a SPECO procura valorizar a ciência, a Ecologia e os/as jovens profissionais que a ela se dedicam.

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O isolamento das ilhas de São Tomé, Príncipe e Annóbon no Golfo da Guiné, o maior golfo africano, garantiu-lhes uma elevada diversidade de fauna e flora endémicas, que são fruto da evolução ao longo de milhões de anos. São 62 as espécies de moluscos terrestres (caracóis, ou búzios, e lesmas) que não podem ser encontrados noutro qualquer lugar do mundo, num total de 86. A trabalhar na região desde 2017, Martina Panisi procurou implementar um olhar holístico e multidisciplinar sobre duas espécies de caracóis gigantes em particular, compreendendo vários aspetos da socioecologia do nativo e ameaçado búzio-d'Obô (Archachatina bicarinata) – que coloca ovos do tamanho de uma azeitona! – e de um dos seus antagonistas, o invasor búzio-vermelho (Archachatina marginata).

Martina revelou que a conversão da floresta nativa para outros fins e a sua consequente degradação surge como uma das ameaças mais significativas para as espécies, não apenas devido à perda de habitat, mas também por promover a expansão das espécies invasoras. Foi nas florestas nativas do Príncipe, reconhecido em 2012 Reserva da Biosfera ao abrigo do programa MaB (Man and the Biosphere) da UNESCO, que encontrou a população de búzio-d’Obô com a maior diversidade genética, tornando-as prioritárias para os esforços de conservação da espécie.

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Já o invasor búzio-vermelho conquistou maior predominância junto das populações por ser uma importante fonte de alimento, nutrição e rendimento, sobretudo para os grupos mais vulneráveis como os jovens desempregados e as mulheres. Esta descoberta adensou a problemática sobre a sua gestão nas ilhas e o controlo dos impactos sobre a fauna endémica face ao seu contributo socioeconómico.

Reconhecendo que as pessoas são a chave para o sucesso dos programas de conservação, é crucial que se considerem também fatores culturais e socioeconómicos. Por exemplo, muitas vezes as pessoas atribuem maior valor às espécies por motivos que não estão relacionados com o risco de extinção ou com a sua importância para o funcionamento dos ecossistemas, como a atratividade ou o valor económico. Esses efeitos podem ser ainda mais pronunciados em áreas onde as pessoas dependem diretamente dos recursos biológicos como nos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), como São Tomé e Príncipe.

Martina Panisi

Perante este cenário, o doutoramento incluiu um forte componente social dividida entre objetivos de investigação e conservação. Ao longo de 4 anos, tornaram-se praticamente incontáveis os momentos de envolvimento e sensibilização de vários públicos-alvo através de workshops com as comunidades e órgãos de governança, debates, redes sociais, de um livro infantil, aulas escolares, formações, ações de marketing e divulgação dos resultados científicos à escala internacional (ex. TEDx, NatGeo Summit, Nat Geo Kids Animal Encyclopedia, EXPO Dubai), que culminaram na criação do primeiro Plano de Ação do Búzio d’Obô, atualização do seu estado de conservação na Lista Vermelha da IUCN, construção do primeiro centro ex-situ para a espécie.

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Martina Panisi divide este ano o pódio do Prémio de Doutoramento em Ecologia com Joana Gomes Pereira (3º lugar), atualmente investigadora no CE3C. Ambas passam agora a integrar o rico e ilustre conjunto de antigos/as doutorandos/as CE3C distinguidos pela qualidade dos seus trabalhos em edições anteriores. São eles Ricardo Rocha (1º lugar, 2017), Alice Nunes (2º lugar, 2017), Paula Matos (1º lugar, 2018), Marc Fernandez (3º lugar, 2018), Francisco Pina-Martins (1º lugar, 2019), Adrià Lopez Baucells (2º lugar, 2019), Gonçalo Curveira-Santos (3º lugar, 2022), e Filipa Soares (1º lugar, 2023).

A flexibilidade para seguir as minhas próprias linhas de investigação foi um diferencial significativo, permitindo-me focar nas questões que mais me motivavam. Essa combinação de apoio e autonomia foi crucial para o sucesso do doutoramento e para a minha formação.

Martina Panisi

Com 10 vencedores/as entre um total de 24 galardoados/as, e a conquista do 1º lugar em 5 das 8 edições do Prémio, o CE3C é a unidade de investigação mais representada nesta distinção ímpar e de enorme valor para a investigação em Ecologia em Portugal. Este destaque é reflexo do reconhecido investimento e dedicação da equipa do Centro – orientadores/as e orientandos/as – na capacitação atenta e aquisição de competências essenciais à construção de carreiras científicas de sucesso.

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