Fruto de duas bolsas do European Research Council (ERC) atribuídas às investigadoras CE3C Sara Magalhães e Inês Fragata no campo da Ecologia e Evolução, a recém-inaugurada Unidade de Evolução Experimental (UEE) vem permitir dar maior escala e controlo aos ensaios que ambas têm vindo a desenvolver. Reflexo da qualidade, atualidade e ambição da ciência que ambas constroem diariamente com as suas equipas, a nova infraestrutura de 400m2 – com 4 laboratórios, 8 câmaras climáticas, 2 salas de trabalho, e demais áreas de apoio e conexas –, providenciam condições únicas para o sucesso dos seus estudos.
A evolução experimental é uma metodologia que permite seguir a evolução das populações das espécies em tempo real, no campo ou no laboratório. Tendo a população como unidade de estudo e replicação, dá a conhecer as suas respostas perante as condições ambientais a que são sujeitas, sob a forma de alterações no seu fenótipo (alterações na morfologia, fisiologia e/ou comportamento) ao longo das gerações. São necessárias várias réplicas populacionais para cada ambiente testado – e são testados vários ambientes –, o que faz com que este método seja particularmente exigente em termos de espaço e tempo. O que se perde no consumo de recursos, ganha-se em termos de poder experimental, já que torna possível estabelecer causalidade, ao acompanharmos o processo evolutivo em si, em vez de medirmos apenas padrões.
A maior parte da investigação feita na UEE está centrada na ciência fundamental e resulta da combinação entre teoria e prática no trabalho com ácaros-aranha, plantas com interesse agrícola, e moscas-da-fruta – organismo modelo para vários estudos em biologia, nomeadamente na área da imunidade (veja as imagens abaixo). Este conjunto de organismos, permite abordar várias questões como a adaptação de espécies a novos ambientes, até às interações entre espécies antagónicas (competidores, parasitas, predadores), dando a entender como se constrói e mantém a complexa rede que sustem o funcionamento dos ecossistemas. As lições resultantes da UEE poderão ser aplicadas na agricultura e na saúde humana, revelando algo talvez inesperado: o pequeno tamanho dos organismos pode subestimá-los num primeiro momento, escondendo a sua verdadeira grandiosidade e potencial, como as duas bolsas ERC, raras no contexto nacional, vieram demonstrar.
Em 2017, Sara Magalhães conquistou uma ERC Consolidator Grant no valor de 2 milhões de euros para utilizar a evolução experimental como ferramenta para avaliar as interações entre uma espécie de ácaro -aranha herbívoro, praga agrícola, e a planta que coloniza. Cinco anos depois, Inês Fragata repetiu o feito, e foi galardoada com uma ERC Starting Grant para complexificar o sistema anterior, seguindo as dinâmicas de uma planta, um ácaro-aranha e do seu predador. O mais recente objetivo é entender como as interações indiretas entre estes organismos, assim como a estabilidade das populações, afetam e são afetadas pela evolução.
Como pode a competição entre espécies moldar a sua evolução? A ERC de Sara Magalhães
Esta pergunta garantiu a primeira ERC Consolidator Grant em Ecologia e Evolução em Portugal, atribuída à investigadora Sara Magalhães para o horizonte 2017-2022 (projeto COMPCON). A competição entre espécies (por alimento, território e por parceiro/a para reprodução, etc.) é uma interação extremamente comum, complexa e fundamental nas comunidades ecológicas. O projeto COMPCON, cuja equipa incluía também Inês Fragata, procurou desconstruir a competição nas suas várias componentes e perceber o impacto de cada uma na evolução.
Analisaram-se dois tipos de ácaros-aranha (Tetranychus urticae e Tetranychus evansi) que competem por um alimento comum, o tomateiro, fazendo com que a planta reaja de forma distintas às investidas de cada um: enquanto os T. urticae despoletam as defesas do tomateiro quando se alimentam, os T. evansi provocam o oposto, a diminuição das defesas da planta (ou silenciamento), tornando mais fácil o consumo para os indivíduos da mesma espécie, mas também para o seu competidor.
A equipa demonstrou que quando as duas espécies de ácaro-aranha evoluem juntas, a capacidade para silenciar as defesas da planta diminui, reduzindo a facilidade com que ambas se alimentam. Percebeu-se ainda que os ambientes onde as plantas estão inseridas também surtem o seu efeito. Na presença de metais pesados, a latente competição entre T. urticae e T. evansi deu lugar à coexistência entre as suas populações. Os resultados permitiram assim perceber os efeitos da competição a longo-prazo e as possíveis consequências de fatores ambientais nesta interação.
Qual o papel da estabilidade do ecossistema no potencial evolutivo das espécies? A ERC de Inês Fragata
Muitas das palavras que definem o diálogo entre a ecologia e a evolução estão ainda por conhecer e ouvir. O “mini-ecossistema” das interações entre ácaros-aranha, predadores e plantas surge como um verdadeiro tradutor desse diálogo, um reconhecimento que garantiu o aprofundar dos estudos com uma nova bolsa ERC (Starting Grant), conquistada por Inês Fragata para o período 2022-2027 (projeto DYNAMICTRIO). A equipa do DYNAMICTRIO procura perceber (1) como podem as interações entre espécies evoluir e contribuir para a estabilidade do ecossistema e, por sua vez, (2) como é que a estabilidade do ecossistema poder afetar o potencial evolutivo das populações.
A novidade desta nova ERC está na abordagem teórica robusta combinada com a validação experimental, por via da evolução experimental em tempo real, das interações num sistema do qual fazem parte uma planta (Brassica rapa, de flor pequena e amarela, próxima do nabo), o ácaro-aranha herbívoro (Tetranychus urticae), uma praga agrícola, e um ácaro-aranha predador (Amblyseius swirskii) utilizado no controlo biológico de várias pragas agrícolas.
A ideia é tentar compreender se a evolução conjunta destes três organismos garante maior ou menor resiliência ao ecossistema perante adversidades externas como a falta de água ou temperaturas mais elevadas, inclusivamente do ponto de vista genético.
O domínio da evolução experimental conta com décadas de história no CE3C (e nas unidades de investigação que o antecederam), cuja origem remonta ao início da investigação liderada por Margarida Matos com populações de Drosophila subobscura. No seu laboratório (Local Adaptation in Drosophila), por onde passaram e se capacitaram tanto Sara Magalhães, como Inês Fragata, assiste-se ainda hoje à evolução em tempo real desta espécie perante diferentes ambientes, à procura de respostas para o que acontece na Natureza, quando as espécies se deparam, por exemplo, com temperaturas progressivamente mais elevadas.
Esta Unidade representa um avanço significativo no campo da investigação desenvolvida com recurso à evolução experimental, proporcionando novas oportunidades para a compreensão dos processos evolutivos em tempo real e fortalecendo o papel de CIÊNCIAS como um centro de excelência científica a nível internacional.
Jorge Relvas, Subdiretor de Infraestruturas de CIÊNCIAS
A nova Unidade de Evolução Experimental traduz-se num conjunto de valências e oportunidades para a ciência produzida diretamente por cinco grupos de investigação do CE3C (Adaptation to Complex Environments, Evolution of Host-Parasite Interactions, Evolutionary Agroecology, Genotype to Phenotype of the Immune Response, Integrative Biomedicine) de duas linhas temáticas, e de outros com os quais colaboram internamente, em Portugal e no espaço europeu.
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